Quem tem uns quinze anos de idade hoje, imagina que quando eu era pequeno já existia tudo que existe hoje
Quando eu era menino, no tempo do Gumex, do Simca Chambord, da Mirinda Morango e da coleção de flâmulas, o meu pai sempre dizia:
– No meu tempo, quando não tinha televisão…
E ficava imaginando como tinha sido a infância do meu pai sem o Pica-Pau, o Zé Colmeia. o Manda-Chuva, os Flintstones e os Jetsons.
Mas hoje, pensando nessas coisas, eu me lembro que o meu pai só se lembrava de não ter televisão, quando ele ainda usava calças curtas, escrevia a lápis e tomava Cremogema toda manhã.
Cansei de ouvir ele rezando essa ladainha e evitei, durante toda a vida, dizer:
– No meu tempo, quando não havia celular…
– Como assim, não tinha micro-ondas?, perguntou uma menina aqui em casa, outro dia.
Aí, sentei aqui no computador e comecei a enumerar, a fazer uma lista de algumas coisas que não existiam no meu tempo de criança.
O automóvel não tinha cinto de segurança, vidro elétrico e, para abrir ou fechar, era na base da manivela.
Não tinha pedágio, a gente viajava sem ter de parar naquelas cabines e ficar sabendo que a cobradora chama-se Soraia.
No meu tempo, para acordar, tínhamos um despertador em cima do criado-mudo. Para calcular usávamos a calculadora, para se orientar, a bússola, para apontar o lápis, usava-se gilete, para saber o telefone de alguém consultávamos o catálogo telefônico.
No meu tempo, tempo do Q-Suco e do Q-Refresco, não tinha kiwi. A gente comia banana, mamão, laranja, jabuticaba e goiaba no pé, essas frutas comuns. Uva e pêssego, só no Natal.
No tempo em que o símbolo da TV Tupi, canal 6, era um indiozinho, a gente vivia sem aplicativo, sem WhatsApp, sem Instagram, sem Netflix, sem CD, sem Spotify, vivia sem Uber, sem mensagem de voz, sem senha, sem código de barra, , sem iFood, sem e-book, sem e-mail, sem Ipad, sem Gmail, sem UOL, sem www, sem mala com rodinha e sem estresse.
[Crônica da semana publicada no site da revista Carta Capital]
cartacapital.com.br