Mil novecentos e sessenta e oito parecia um ano que não ia terminar, mas num piscar de olhos, já estávamos em julho de 1969. Já tínhamos chorado a morte de Cacilda Becker, nos espantado com o desaparecimento de Judy Garland aos 47 anos e nos revoltado com o exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil.
London! London!
Havia uma emoção e uma tristeza no ar. Estávamos há seis meses remoendo o Ato Institucional número 5, tempo de prisões, de censura e tortura, amigos sumindo pra nunca mais. Estávamos tristes.
A emoção ficava por conta de Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins se preparando para pisar na Lua pela primeira vez, naquele julho de 1969.
Cely Campelo já tinha tomado banho de lua, ficado branca como a neve.
Ângela Maria cantava Lua, oh lua, querem te passar pra trás. Lua, oh lua, querem te roubar a paz. Lua que no céu flutua, lua que nos dá luar.
Olhando a lua através de uma luneta, eu vi Jorginho passeando de lambreta. Fazia curvas, na contramão, e na garupa quem ia era o dragão. A lua tinha virado marchinha de carnaval.
Eu me lembro direitinho, que alguns meses antes do 19 de julho, a revista Veja, dirigida por Mino Carta, começou a publicar fascículos da Conquista da Lua. Toda semana, eu lia com atenção, ia colecionando e a contagem regressiva para o último fascículo ia coincidir com o homem chegando lá.
Eu me lembro vagamente de ver as primeiras imagens na televisão, em preto e branco e muitos chuviscos, de Louis Armstrong pulando no solo da Lua e fincando a bandeira americana por lá.
Não se falava em fake news, mas a maioria dos meus tios e minhas tias não acreditavam naquilo que estavam vendo com os próprios olhos.
– Isso é cenário, disse tio Carlinhos!
– Isso não é possível, isso não é coisa de Deus, disse um de nossos vizinhos.
Dois dias depois, a revista Veja chegou às bancas com uma radiofoto dos americanos na lua: Chegaram! Estava escrito na capa.
A revista Manchete saiu com um número especial e, encartado, um mapa de mais de metro, da lua já loteada. Um espertalhão pegou o mapa e saiu vendendo terrenos na lua, dando a escritura e tudo mais. E teve muita gente que comprou. O negócio só acabou quando ele foi preso.
Hoje, cinquenta anos depois, Gilberto Gil garante: Do luar não há mais nada a dizer, a não ser, que a gente precisa ver o luar.
Caetano talvez seja o que mais cantou a lua.
Lua de São Jorge, lua deslumbrante, azul verdejante, calda de pavão.
Lua, lua, lua, lua, por um momento meu canto contigo compactua, e mesmo o vento canta-te, compacto no tempo, estanca, banca, branca, branca.
Cinquenta anos depois, ainda maravilhado com aquela imagem em branco e preto, recorro-me aos versos de Gregório de Matos:
Eu já vivo tão cansado
De viver aqui na Terra
Minha mãe eu vou pra lua
Eu mais a minha mulher
Vamos fazer um ranchinho
Tudo feito de sapé
E seja o que Deus quiser
[Crônica da semana publicada no site da revista Carta Capital]
cartacapital.com.br