Cansei de ouvir que precisamos retirar a máscara segurando apenas pelo elástico, cansei de ouvir que as lojas vão reabrir, mas com uma série de restrições, cansei de ouvir a porcentagem do número de leitos disponíveis de UTI. Cansei de ouvir a pergunta quando é que isso vai acabar? Cansei de ouvir lives e podcasts. Não deveria. Deveria estar prestando atenção em tudo, em cada palavra, em cada acorde do novo disco de Neil Young, guardado na gaveta desde mil novecentos e setenta e pouco. Deveria estar mais atento ao avanço da ciência, o estágio da vacina, a cloroquina que tomo pra artrite. Mas não. Não quero ouvir que as escolas vão reabrir em setembro, eu me lembro dos Happenings cantando I see you in September e meus olhos brilham como na juventude, quando perdi aquele primeiro amor que era puro e verdadeiro. Não posso mudar de assunto. Cansei de ouvir sobrenomes, nomes próprios e impróprios: Weintraub, Maia, Jair, Flavio, Fabricio, Frederick, Heleno, Onyx e Braga Netto. Não devia ser assim, devia ser assado. A revolução dos pretos, a voz de Mano Brown falando tá ligado dotô pro Drauzio, Maitê Lourenço na capa da Exame, os punhos cerrados na Rolling Stone, o grito parado no ar na capa da Society. Viver essa confusão urbana, suburbana e rural, não esperava por isso ao ver aproximar os setenta anos. Esperava uma festa com cajuzinho, olho de sogra, canudinho, bombom de uva verde, brigadeiro e um beijinho doce. Me ligo nas news. Semana que vem o Museu do Louve vai reabrir suas portas de vidro depois de quatro meses. E a Monalisa vai estar lá com aquele sorriso enigmático de sempre. Rindo de quê, preciso saber.